Gravura Brasileira

Francisco Maringelli

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Analítica do grotesco


Por Henrique Marques-Samyn


http://www.speculum.art.br/novo/?p=788

Os títulos das gravuras de Francisco Maringelli são geralmente longos, quase verborrágicos; às vezes trazem comentários sobre as próprias obras, outras vezes sugerem vias interpretativas ou leituras possíveis. É preciso, contudo, observar que eles na verdade representam um segundo nível hermenêutico, na medida em que constituem comentários sobre comentários, ou interpretações sobre interpretações, sendo a instância interpretativa primária constituída pela própria gravura. De fato, a obra de Maringelli abre-se como um inesgotável acervo de anotações sobre o real, cujo tom vai do crítico ao cômico, do irônico ao críptico.

Embora seja possível entrever em seus traços matizes expressionistas, na obra de Francisco Maringelli não há o esgarçamento patético característico dos artistas que participaram desse movimento ou que, nos dias de hoje, dedicam-se a revisitar essa orientação; o que há é, por outro lado, uma personalista apropriação daquela linguagem para a construção de uma obra marcada por uma lucidez crítica cuja franqueza, muitas vezes, aproxima-se da crueldade. É este um artista que lança sobre o mundo um olhar que, quando pondera, critica ou comenta, é sempre implacável; não há em suas gravuras lugar para o eufemismo: ali, toda metáfora avizinha-se a denúncia.


É notável o furor com que o estro de Maringelli arremessa-se à criação, arrastando para seu próprio mundo tudo o que o cerca, das vastas paisagens aos menores objetos. Seu apetite é voraz: como se fosse necessário devorar todo o existente, seus sempre afiados dentes parecem dispostos a tudo triturar e distorcer até que se consume a criação de um outro mundo, um deformado símile deste em que habitamos; um mundo em que cada coisa tenha sido transformada até um ponto em que se tornou praticamente irreconhecível – não ao olhar, que é ainda capaz de reconhecer as semelhanças, mas à razão que se recusa a encontrar no grotesco uma legítima representação do real que o inspirou.

A obra de Francisco Maringelli é, por conseguinte, profundamente anti-lírica, o que deve ser atribuído não a uma incapacidade de entrever o belo, mas a uma recusa consciente a elegê-lo matéria artística; isso implicaria, afinal, renunciar ao sempre premente dever de evidenciar tudo aquilo que, no real, configura alguma espécie desvio ou equívoco – diga-se de passagem: no tocante ao mundo e a si mesmo. Maringelli, afinal, não se furta a dirigir também para si o cruel olhar com que encara o real, retratando-se com traços que evidenciam e desvelam o que se lhe afigura absurdo: despido e exposto, revela-se o artista tão frágil, precário e risível quanto qualquer um dos objetos presentes em suas gravuras. Trata-se, finalmente, de uma concepção de arte que se aproxima daquela sobre a qual fala Nietzsche em A Gaia Ciência: porque somos tão austeros, mais pesos do que homens, nada nos cai tão bem quanto nosso Schelmenkappe, nosso ‘chapéu de bobo’, sobretudo quanto estamos diante de nós mesmos; precisamos, enfim, de uma arte que seja simultaneamente vigorosa e zombeteira – uma arte que nos permita rir e chorar de nós mesmos.
 

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