Gravura Brasileira

Futuros Vencidos

Futuros Vencidos

De 5/8/2023 a 9/9/2023

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Futuros Vencidos é um percurso íntimo de Vinicius Libardoni, uma jornada que diz respeito ao êxodo territorial e sentimental do artista. 

Nascido no interior do Paraná, formado em arquitetura em Florianópolis com passagem profissional por São Paulo, precisou se deslocar dez mil quilômetros para reconhecer na cidade polonesa de Wrocław, onde fez um mestrado em gravura, uma geografia que lhe fosse familiar.

Esta exposição é um relato gráfico de sua busca pessoal por reencontrar propósito em uma profissão que lhe parecia exaurida de sentido.

Longe de casa, Libardoni foi confrontado com uma realidade completamente nova que, de golpe, prendeu sua atenção.

Sua curiosidade, somada ao estranho hábito de caminhar olhando para cima, comum aos arquitetos, lhe aproximou daquelas novas velhas arquiteturas polonesas e o passado de influência alemã em ruínas, relíquias do Bloco de Leste, séculos distintos coexistindo e sobrepondo-se no mesmo espaço urbano.

Os edifícios que compõem esta série refletem o interesse latente pelo tema da ruína e da suspensão do tempo. Futuros que poderiam ter sido, mas que nunca chegarão a sê-lo, são as possibilidades nunca vividas ou, ainda, uma profecia de futuro que não poderá jamais existir.

Realizações gráficas que tratam de imprecisões temporais, retratos de um passado no tempo presente sem possibilidade de futuro. Os edifícios são aqui representados pelo arquiteto-gravador como ruínas em construção, arquiteturas que evocam um forte sentimento de nostalgia – a nostalgia do artista longe de casa.

Geografias sentimentais, os objetos de interesse de Libardoni podem ser entendidos como rugas no espaço-tempo.

Em seu livro A natureza do espaço, o geógrafo Milton Santos chama de rugosidade aquilo que fica do passado como “forma, espaço construído, paisagem, o que resta do processo de supressão, acumulação, superposição, com que as coisas se substituem e acumulam em todos os lugares”.

Tal qual a geografia do corpo, com suas dobras, fendas e asperezas, as rugas do território urbano são registros da passagem do tempo naquele lugar – cicatrizes que atestam presenças ausentes: o próprio passado no presente.

É significativo, ainda, que a técnica empregada pelo artista consista precisamente no ato de entalhar rugas no território da chapa metálica. Com a ponta-seca, risca, fende e texturiza a chapa, imprimindo-lhe rugas que, por sua vez, imprimem imagens de arquiteturas.

Quando partiu com destino a Wrocław, Vinicius Libardoni buscava se afastar da arquitetura e se aproximar da arte. Ironicamente, reconciliou-se com aquela através desta. 

A grande virtude dessa escolha é que agora o artista-arquiteto projeta sem o fardo do tempo. 

Suas arquiteturas não correm o risco de envelhecer.

(texto do artista)

 

 

 

 

O Artista

Natural de Pato Branco–PR, Vinicius Libadoni é arquiteto e artista plástico. Graduado Arquiteto e Urbanista pela UFSC em 2012, recebeu o título de Mestre em Belas Artes (MFA) com especialização em Gravura pela Academia de Arte e Design da Breslávia em 2019, onde recentemente concluiu também seu Doutorado em Artes com o título “Recasting Architecture: Etched Memories, Cast in Concrete”. Radicado na Polônia desde 2017, decidiu conscientemente afastar-se de sua prática profissional como arquiteto para dedicar-se inteiramente à arte da gravura em uma busca pessoal por reencontrar propósito em uma profissão que lhe parecia exaurida de sentido.

Através de seu posicionamento crítico ele nos convida a refletir sobre o papel do arquiteto como profissional autônomo na sociedade hoje. Em sua obra não-construída, o arquiteto se dedica a refletir sobre a atual condição

da arquitetura contemporânea, focando em estruturas esquecidas, abandonadas—suspensas entre as glórias do passado e as incertezas do futuro.

Sua formação como arquiteto desempenha um papel fundamental não apenas no conteúdo, mas sobretudo na forma como representa estes edifícios. Ainda assim, o seu universo gráfico está repleto de imprecisões temporais, retratos de um passado no tempo presente sem possibilidade de futuro.

Como ruínas em processo de construção, suas arquiteturas evocam um forte sentimento de nostalgia particular e íntima ao artista longe de casa. Refutando a todo custo a ideia de que o futuro lhes é inalcançável, estassólidas ruínas de tijolo e concreto se mostram total ou parcialmente suspensas, desprendidas da terra firme, desafiando a própria noção de gravidade. Existe aqui uma inversão fundamental da tectônica telúrica praticada desde a antiguidade, em que a arquitetura literalmente se apoia na terra; nessas gravuras, imensos edifícios são colocados num estado de suspensão material que, de algum modo, ecoa a suspensão do tempo evocada por suaspresenças na cidade de hoje.

 

 

Galeria Gravura Brasileira

Abertura – 05 de agosto de 2023, sábado, 13-17hs.

Período expositivo: 05 de agosto a 09 de setembro de 2023.

 

 

 

 

 

 

 

 

“Futuros Vencidos”

Vinicius Libardoni 

 

Pelos mais variados motivos, arquitetos são conduzidos para longe da prática profissional. Às vezes, no entanto, seguem projetando edifícios em outros meios e suportes. Vinicius Libardoni é um arquiteto e artista ítalo-brasileiro que migrou do Autocad para a gravura em metal, com passagem pela xilogravura, e vem construindo arquiteturas imaginárias desde então. O artista traduz em gravuras a atmosfera e nostalgia da arquitetura soviética polonesa.

 

Expired Futures (Futuros Expirados, em tradução livre) é uma serie de seis gravuras realizadas em metal, resultado de sua dissertação de mestrado na Academia de Arte e Design Eugeniusz Geppert em Wrocław, Polônia. Explorando imprecisões temporais, as obras são retratos de um passado no tempo presente sem possibilidade de futuro. Os edifícios representados na série de gravuras são ruínas em construção, arquiteturas que evocam um forte sentimento de nostalgia – uma nostalgia coletiva comum aos países da Europa Oriental.

 

 

The End of the Line representa a Estação Ferroviária de Nadodrze, construída em 1868 e projetada pelo arquiteto alemão Hermann Grapow; Four Walls apresenta um edifício residencial do século XIX localizado na Ilha do Malte; Derelict nos mostra o Moinho Sułkowice erguido em 1890; Dissolving Boundaries é a representação do auditório do Departamento de Química projetado por Krystyna Barska e Marian Barski em 1964; Out of Context mostra o edifício Solpol, de 1993, uma joia do pós-modernismo polonês; e Deadly Repetition representa a paisagem monótona e repetitiva dos bloco residenciais da era comunista, sem fazer referência a nenhum edifício em particular.

 

O fio que alinhava estas arquiteturas é conduzido pelo caminhar do artista neste território que lhe é estrangeiro, e que pouco a pouco acaba se tornando sua casa. Esta instigante coleção particular da arquitetura de Wrocław, inventariada pelo artista a partir da prática da deriva situacionista, é um recorte privado tornado público por meio de releitura e representação através da gravura em metal. 

 

As impressões despertam certo estranhamento. Sólidas ruínas de tijolo e concreto apoiadas em estruturas independentes que se esforçam por mantê-las erguidas – perenes no tempo, refutando a todo custo a ideia de que o futuro lhes é inalcançável. O artista-arquiteto projeta elementos de sustentação na esperança de manter de pé seus edifícios contenedores de memórias. Mas os projeta sem muita convicção: o material usado é a madeira, imageticamente mais leve e frágil que o concreto e a alvenaria, e as peças de sustentação têm seções visivelmente insuficientes para suportar por muito tempo todo o peso daquelas arquiteturas sentimentais. 

 

À atmosfera austera e serena das gravuras é somada, assim, uma camada de fantasia e irracionalidade. Corrobora essa sensação a decisão do artista por, deliberadamente, suprimir céu, horizonte e, mais notoriamente, a terra. Todas as seis gravuras maiores mostram arquiteturas total ou parcialmente suspensas, sem chão, desprendidas de solo firme. Existe aqui uma inversão fundamental da tectônica telúrica praticada desde a antiguidade, em que a arquitetura literalmente se apoia na terra; nessas gravuras, imensos edifícios são colocados num estado de suspensão material que, de algum modo, ecoa a suspensão do tempo evocada por suas presenças na cidade de hoje.

 

Geografias sentimentais, os objetos de interesse do artista podem ser entendidos como rugas no espaço-tempo. Em seu livro A natureza do espaço, o geógrafo Milton Santos chama de rugosidade aquilo que fica do passado como “forma, espaço construído, paisagem, o que resta do processo de supressão, acumulação, superposição, com que as coisas se substituem e acumulam em todos os lugares”. Tal qual a geografia do corpo, com suas dobras, fendas e asperezas, as rugas do território urbano são registros da passagem do tempo naquele lugar – cicatrizes que atestam presenças ausentes: o próprio passado no presente. 

 

Expired Futures são os futuros que poderiam ter sido mas que nunca chegarão a sê-lo, são as possibilidades nunca vividas ou, ainda, uma profecia de futuro que não poderá jamais existir.

 

Romullo Baratto

Junho de 2022

 
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