De 24/6/2023 a 29/7/2023
Elisa Arruda
gravuras
24 junho a 29 julho 2023
Sobre Elisa Arruda:
(Exposição Gravuras montáveis, espaços desmontáveis / CCSP)
texto de Val Sampaio - 2022
O conjunto de trabalhos apresentados por Elisa Arruda reflete e tensiona a lógica bidimensional das imagens. Seus questionamentos apontam para lugares sensíveis de pesquisa sobre as técnicas e a linguagem da gravura, bem como a recusa em aceitar de forma paciente as características historicamente atribuídas pela arte para a atuação da gravura. A problemática levantada a partir dessas obras aponta para a imagem gravada a partir da hipótese de que o corpo das imagens seria uma resultante das relações entre o corpo da obra no espaço, o corpo do artista e o corpo do receptor.
A série parte da gravação de imagens usando técnicas conhecidas da gravura. Os trabalhos buscam identificar as costuras dos acontecimentos, mundos e corpos: entre a artista e a obra, entre a obra e o corpo, entre o corpo, a obra e o espaço, buscando desse modo delimitar o espaço de existência no qual a imagem acontece, de forma que ele que tenha um potencial instaurador. Entendendo a imagem como algo que empresta visibilidade a uma coisa que não tem possibilidade no mundo material e imaterial.
Na gravura, a imagem estampada se constrói numa relação com os instrumentos que prolongam o corpo do artista; a técnica expressa tanto a experiência da artista/gravadora quanto as qualidades do material. Pedra, madeira, homem, tinta, rolo, papel, prensa: objetos técnicos individualizados, prolongamentos sem dominado nem dominante. Para nos aproximarmos da técnica da gravura, no que concerne à gravura tradicional, temos que pensar no objeto técnico que a configura.
Elisa Arruda (1987) é uma artista visual nascida na região amazônica, que transita entre a gravura, pintura, desenho, aquarela, fotoperformance e instalação. Em seu trabalho, mobiliza uma série de elementos autobiográficos, articulando conceitos e ideias múltiplas, repletas de camadas latentes. Seu percurso pela técnica da gravura surgiu como extensão da sua experiência com o desenho: a partir de 2019 "mergulhou na gravura em metal", e partiu dessa técnica para a produção de objetos que tensionam a bidimensionalidade e a relação com espaço e volume das suas impressões, ultrapassando o limite expressivo do gesto técnico da gravura como impressão que resulta do contato do papel com a matriz para a performance do gesto, que rasga as estampas gravadas.
A gravura contemporânea compreende a existência de um fazer técnico e de um pensamento estético em sua constituição. A técnica da gravura segue uma tradição; ela é operatória, está na ordem do conhecimento científico, atuando sobre uma forma de arte determinada preparo da matriz, execução da imagem, gravação, preparo da tinta, rolos, superfície na qual será multiplicada a imagem. Toda técnica é uma estrutura do tempo, da memória, traz-nos sentimentos ambíguos, desafiando-nos a trabalhar com a tradição e subverter alguns elementos que regem as convenções do fazer da gravura.
Elisa Arruda se permite subverter o conhecimento técnico da gravura para imprimir movimento e volume nas suas peças gráficas, por intermédio do ato performático de rasgar, destacar e dobrar suas estampas após a impressão. Esse movimento começou durante a pandemia, e através da leitura "Um, nenhum e cem mil", título considerado o romance mais complexo do grande dramaturgo, romancista e contista italiano Luigi Pirandello (1867-1936). O romance faz uma especulação metafísica, poética e bem-humorada sobre o protagonista Vitangelo Moscarda e sua identidade. É um romance que questiona o leitor sobre a sua existência, a partir de como você se percebe no mundo e de como o mundo te percebe.
A experiência de auto-reclusão provocada pela pandemia de covid-19 e a leitura de Pirandello insuflou a artista para uma mudança de rota. A partir desse momento, Elisa Arruda parou de desenhar pessoas, mulheres - temas recorrentes em trabalhos anteriores.
"Pirandello me falou de um sujeito que amava seus móveis, falava que a cadeira dele tinha o formato do seu corpo, se ajustava à ele. Aquele ambiente e momento me fizeram desenhar casas e mobílias como se fossem minha família", confessa Elisa Arruda.
Nas confissões de Elisa Arruda, a obra de Pirandello lhe permitiu transcender para um pensamento tridimensional da gravura, trazendo para suas peças uma outra dimensão poética e apontando para a gravura uma "personalidade da vida presente nos obietos inanimados".
Em um momento de pura epifania, a casa, a planta da casa, a fachada, as mesas, as cadeiras tomam um outro sentido: "esses objetos de papel - feitos por meio de estampas gravadas e depois destacadas e montadas
- têm o desejo de sustentar no corpo frágil do material o insistente gesto do desenho no metal". Nesse relato, Arruda apresenta a gravura como desejo do objeto técnico e fica expressa a essência do trabalho, o seu compromisso pela sua matéria de trabalho, o desenho e a gravura.
Na série Gravuras montáveis, Espaços desmontáveis, Elisa Arruda pratica a lição de Mira Schendel, que estampou, em meados de 1960, trabalhos de extrema delicadeza e economia de traços, transformando objetos em materiais únicos, segundo Guy Brett. No seu exercício, Arruda busca a singularização do objeto reprodutível.
A imagem se repete em algumas obras dando ênfase à essência da gravura como técnica, mas o gesto da rasgadura e da dobra em algumas dessas repetições e tensiona a delicadeza dos traços marcados na matriz. Nessa relação com a imagem geradora, com a matriz da matriz da gravura, Arruda expõe no espaço uma cadeira de madeira desmontada, cada pedaço da cadeira organizado como nos seus desenhos estampados em imagens. Os trabalhos desenvolvem um tratado sobre a leveza transcrita na elegância do traço calculado, característica do objeto técnico, a gravura encharcada de vir a ser da imagem, pula para o espaço e sobre o vazio preenchido pelo desenho, pela impressão da gravura e transforma-se em volume.
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