Biografia
Flávio Resende de Carvalho (Amparo da Barra Mansa, RJ, 1899 - Valinhos, SP, 1973). Pintor, desenhista, arquiteto, cenógrafo, decorador, escritor, teatrólogo, engenheiro. Muda-se com a família para São Paulo em 1900. Em 1911, passa a estudar em Paris e, três anos depois, na Inglaterra, onde, em Newcastle, em 1918, inicia o curso de engenharia civil no Armstrong College da Universidade de Durham e ingressa no curso noturno de artes da King Edward the Seventh School of Fine Arts. Conclui o curso de engenharia em 1922 e nesse ano volta a residir em São Paulo, onde chega logo após a realização da Semana de Arte Moderna. Desenvolve atividades em várias áreas artísticas e intelectuais, freqüentemente de forma inovadora e provocativa. Participa de concursos públicos de arquitetura, como para o Palácio do Governo do Estado de São Paulo, em 1927, e, embora não tenha sido vencedor em nenhum deles, seus projetos são considerados pioneiros da arquitetura moderna no país. Em 1931, realiza o polêmico evento Experiência nº 2, em que caminha com boné na cabeça, de forma desafiadora, em sentido contrário ao de uma procissão de Corpus Christi e é bastante hostilizado. Em 1932, abre um ateliê, onde funda o Clube dos Artistas Modernos - CAM, com Antonio Gomide (1895-1967), Di Cavalcanti (1897-1976) e Carlos Prado (1908-1992). No ano seguinte, cria o Teatro da Experiência e encena o Bailado do Deus Morto - espetáculo de teatro-dança de sua autoria com estética inovadora, para o qual cria cenografia e figurino e que tem, em sua maioria, atores negros. Realiza, em 1934, a sua primeira exposição individual. A mostra é fechada pela polícia sob alegação de atentado ao pudor, e reaberta alguns dias depois, por ordem judicial. Em 1947, realiza os desenhos da Série Trágica, em que registra a morte da própria mãe. Após publicar, em 1956, uma série de artigos sobre moda na coluna Casa, Homem, Paisagem - em que escreve sobretudo a respeito de arquitetura e urbanismo -, que mantém no Diário de São Paulo, apresenta-se - e causa escândalo - em passeata pelo centro da cidade de São Paulo com o New Look, um traje tropical masculino por ele desenvolvido e que consiste de saia e blusa de mangas curtas e folgadas.
Comentário Crítico
Engenheiro civil formado pela Universidade de Durham, na Inglaterra, Flávio de Carvalho participa do concurso para o Palácio do Governo de São Paulo, em 1927. Seu projeto, bastante discutido, destaca-se entre os concorrentes, principalmente pelo aspecto monumental do edifício, marcado pela decomposição dos volumes e pela intensidade dramática dos jogos de luzes dos holofotes. Em 1930, participa do Congresso Pan-Americano de Arquitetos com a conferência A Cidade do Homem Nu, na qual ressalta a idéia do homem despido dos preconceitos da civilização burguesa. A tese tem ampla conexão com o movimento antropofágico. Participa de vários outros concursos, sem ganhar nenhum. Apenas dois de seus projetos são concretizados: o conjunto de casas da alameda Lorena (1936/1938) e a fazenda Capuava (1939) ambos precursores da arquitetura moderna no Brasil. A casa da fazenda é a que melhor sintetiza suas idéias de arquitetura, movida principalmente pela imaginação e correspondente às novas formas de viver e de pensar. Nela, a decoração é tão importante quanto a arquitetura. Sua frente é um trapézio alto; o interior, um grande salão sem divisórias, com cortinas de panos coloridos que dançam com o vento. Os banheiros e a cozinha são revestidos com chapas de alumínio, material extremamente moderno. Há ainda uma lareira com cúpula de alumínio que solta fumaça colorida.
Na década de 1930 mantém intensa atividade. Em 1931, seus estudos sobre antropologia e psicanálise o levam a realizar a Experiência nº 2. Nela, atravessa uma procissão em sentido contrário. O ato é considerado desrespeitoso pelas pessoas, principalmente pelo fato de ter um boné à cabeça. O artista quase foi linchado e teve que ser protegido por policiais. Sua intenção era testar os limites de tolerância e a agressividade de uma multidão religiosa. Escreve um ensaio sobre o assunto, analisando o ocorrido, publicado no livro Experiência nº 2: uma possível teoria e uma experiência. O volume é ilustrado pelo artista. Em sua atuação no Clube dos Artistas Modernos - CAM, estimula a vida cultural da cidade de São Paulo e participa da criação de um espaço de discussão de diferentes áreas, agregando artistas, compositores, escritores e psiquiatras. Em 1933, funda o Teatro da Experiência, que encena O Bailado do Deus Morto, um espetáculo experimental de teatro e dança, para o qual cria texto, cenários, figurino e faz a iluminação. Os atores, em sua maioria negros, usam máscaras de alumínio e realizam movimentos dinâmicos e ritualistas. O espetáculo inova a cena teatral brasileira e filia-se às manifestações dadaístas e surrealistas. O teatro é fechado pela polícia, e resulta no encerramento das atividades do CAM. Em 1935, realiza sua primeira exposição individual, também fechada pela polícia, com cinco obras apreendidas sob a alegação de atentado ao pudor e imoralidade. O artista consegue, na Justiça, o direito de reabertura da mostra.
Sua pintura é classificada geralmente como expressionista, embora com aspectos surrealistas. Seus temas mais freqüentes são os retratos, escolha baseada no interesse em captar aspectos emotivos e psicológicos. O artista afirma que "no retrato há um mundo a se descobrir e a se aperfeiçoar; não só no que se refere à dialética pura da pintura como no que toca à importância humana do personagem".1 Alguns de seus mais importantes retratos, realizados na década de 1930, como Retrato de Oswald de Andrade e Julieta Bárbara (1939) e Retrato de Mário de Andrade (1939), trazem um gestualismo que se intensifica em suas composições das décadas seguintes. O ritmo das pinturas é dado pelas pinceladas densas, exacerbadas. O artista utiliza forte cromatismo e dá ênfase ao rosto, com a finalidade de valorizar a carga expressiva e a exploração da personalidade do retratado.
Em 1947, realiza a Série Trágica, desenhos em que, em rápidos traços, retrata sua mãe morrendo. De forma geral, em seu desenho os traços são agressivos, criando uma pulsação gráfica. Nas décadas de 1950 e 1960, pinta nus femininos, dedica-se ao desenho, à aquarela e à gravura. Em 1956, como conclusão de uma série de artigos sobre moda, lança o famoso traje de verão - o New Look, especialmente concebido para o homem dos trópicos, com o qual passeia pelas ruas de São Paulo, chocando a multidão. É composto de uma blusa de manga curta e folgada, um saiote, um chapéu de abas largas, todos feitos com tecidos leves, sandálias e meia arrastão. O desfile com o traje é para o artista mais uma experiência, com a finalidade de levar à reflexão sobre as convenções sociais.
Flávio de Carvalho utiliza ainda materiais novos em seus últimos trabalhos como, por exemplo, tinta fosforescente para luz negra. Animador cultural, irreverente e provocador, é considerado um precursor do artista multimídia. Destaca-se por sua atuação no teatro e suas performances, que abrem caminho para os novos procedimentos artísticos que têm desenvolvimento, no Brasil, a partir das décadas de 1960 e 1970.
Notas
1 Citado no livro 30 Mestres da pintura no Brasil: 30 anos São Paulo: MASP, 2001. p.152.
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